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21/05/2025


Por: Aury Lopes Jr.,
Alexandre Morais da Rosa
Dellano Sousa
9 de maio de 2025, 8h00

As provas digitais assumem papel cada vez mais central no processo penal, notadamente em investigações de crimes cibernéticos, organização criminosa, lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e crimes patrimoniais com interface tecnológica. No entanto, a existência, validade e eficácia dependem da aquisição e tratamento adequado, com rigor técnico e jurídico, sob pena de comprometer garantias fundamentais asseguradas pela Constituição da República, especialmente a cadeia de custódia, garantindo-se o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal (artigo 5º, incisos LIV e LV).
Dentre os principais desafios está a banalização do uso dos chamados “prints de WhatsApp”, cuja recorrente aceitação acrítica em processos judiciais revela preocupante negligência quanto à autenticidade, integridade e rastreabilidade desses vestígios digitais. Talvez você não acredite. Então, mostramos como fazer uma conversa fake:
Para que você não tenha dúvidas, segue o print do aplicativo, no momento em que estava sendo criado:
A falsa sensação de veracidade transmitida por esses prints constitui um dos maiores riscos à integridade das provas digitais. Além do aplicativo gratuito que usamos, FakeChatMaker, você pode usar dentre outros: FakeWhats e PrankShit. Todos permitem que, em poucos segundos, criem-se conversas falsas com aparência idêntica às originais, inclusive com nome, foto de perfil e horários personalizados, expondo a fragilidade e a vulnerabilidade do formato imagem enquanto vestígio probatório.
A imagem é amplamente manipulável, sem metadados (dados sobre dados [1]), nem indicadores de rastreabilidade, servindo de instrumento de manipulação, especialmente aos analfabetos digitais que, desconhecendo a facilidade de manipulação, tendem a aceitá-las acriticamente. É preciso reconhecer que diante da mera imagem, desacompanhada de qualquer verificação técnica, é grande o risco de se cair numa sedutora armadilha cognitiva com aparência de verdade.
Em consequência, nos limites do artigo, propõe-se uma reflexão técnico-jurídica sobre os riscos ocultos dessas evidências digitais e a necessidade de rigor na observância da cadeia de custódia, a teor dos artigos 158-A a 158-F do Código de Processo Penal, inseridos pela Lei nº 13.964/2019 (Lei Anticrime). A cadeia de custódia é a única garantia de origem, configurando um protocolo essencial para assegurar a autenticidade e a idoneidade da prova, desde o momento da coleta até sua apresentação em juízo (o tema já foi tratado aqui também).
Relevância jurídica dos vestígios digitais
A crescente digitalização das interações humanas impôs ao processo penal contemporâneo novos e complexos desafios de ordem técnica e jurídica. Atualmente, é praticamente inevitável que a prática de infrações penais deixe rastros eletrônicos, cuja preservação e análise demandam rigorosos protocolos de integridade e autenticidade. Aliás, tanto sujeitos ativos de crimes quanto investigadores deixam rastros, muitas vezes invisíveis para quem “vê” e, por desconhecimento, não consegue “observar” os detalhes que podem fazer toda a diferença (aqui).
Diferentemente dos documentos físicos — cuja materialidade e forma possibilitam verificação direta — os dados digitais são marcadamente voláteis e suscetíveis a alterações imperceptíveis, exigindo que um mediador técnico, provido de capacidades de “observar” o que leigos não conseguem: uma abordagem pericial especializada. A análise de vestígios digitais envolve a investigação de metadados, registros de sistema (logs) e a reconstrução cronológica de eventos, sendo que a perda, modificação ou coleta inadequada dessas informações pode comprometer gravemente a busca pela verdade real.
Spacca
Como advertem Geraldo Prado (A cadeia de custódia no processo Penal: Marcial Pons, 2021) e Aury Lopes Jr. (Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2025), falhas na obtenção e tratamento de provas digitais comprometem tanto a acusação quanto a defesa, podendo ensejar nulidades processuais absolutas e insanáveis, dada a violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa e da paridade de armas.
O Superior Tribunal de Justiça-STJ tem reafirmado a imprescindibilidade de observância à cadeia de custódia para a admissibilidade das provas digitais. No HC 828.054/RN, a 5ª Turma anulou provas obtidas por meio de capturas de tela do aplicativo WhatsApp, reconhecendo a ausência de confiabilidade técnica e a violação aos critérios mínimos de preservação da prova. No mesmo sentido, no HC 900.613/MG, o STJ entendeu que a extração de dados sem validação pericial da autenticidade configura vício grave, que compromete a isonomia processual e representa risco concreto à garantia da paridade de armas entre acusação e defesa.
Diante desse cenário, é urgente a consolidação de uma cultura jurídica que compreenda os riscos específicos associados à prova digital, reconhecendo a centralidade da cadeia de custódia, nos termos dos artigos 158-A a 158-F do Código de Processo Penal, e a necessidade de alinhamento com padrões técnicos nacionais, como o POP 2024 do Ministério da Justiça (aqui e aqui), e internacionais, como a ISO/IEC 27037.
Cadeia de custódia e o POP 2024: fundamentos para a validade da prova digital
Com a Lei nº 13.964/2019, o Código de Processo Penal passou a disciplinar expressamente, por meio dos artigos 158-A a 158-F, a cadeia de custódia da prova penal. Trata-se do um conjunto de procedimentos formais destinados a assegurar a rastreabilidade dos vestígios desde o momento da coleta até sua eventual apresentação em juízo, preservando sua integridade, autenticidade e confiabilidade.
Ainda antes da referida reforma legislativa, a Portaria Senasp nº 82/2014 já estabelecia diretrizes operacionais, distinguindo as fases externas (relativas ao local do fato e à preservação inicial) das internas (referentes ao manuseio técnico-pericial no âmbito dos institutos de criminalística). Ambas as fases exigem documentação específica e contínua, assegurando a reconstituição da trajetória da evidência.
O POP 2024, elaborado pelo Ministério da Justiça, representa um avanço normativo e técnico na padronização da cadeia de custódia de vestígios digitais, ao prever expressamente que nenhuma análise pericial deve ser iniciada antes da geração de uma cópia forense certificada. Tal exigência visa preservar o dado original, garantir a rastreabilidade da fonte e possibilitar a ampla atuação da defesa, inclusive por meio de assistente técnico, conforme autoriza o §5º do artigo 159 do CPP.
Uma analogia elucidativa pode ser traçada com os serviços de entrega por aplicativo, como o iFood: o consumidor acompanha cada etapa do trajeto, desde a saída do pedido até a chegada em sua residência — inclusive a integridade do lacre da embalagem. No processo penal, aceitar uma prova digital sem a devida cadeia de custódia equivale a receber um pedido com o lacre violado: não há garantia de autenticidade, tampouco de que o conteúdo entregue corresponda ao originalmente produzido. Enquanto no ambiente privado, se você decidir consumir o produto com o lacre rompido, o risco é seu, no ambiente público do processo penal, a prova se torna inservível.
A adoção rigorosa dos protocolos previstos na legislação e nos manuais técnicos, como o POP 2024, é condição imprescindível para a validade da prova digital e para a concretização dos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal.
Fragilidade dos prints de WhatsApp: aparência de prova, ausência de veracidade
A crescente dependência de vestígios digitais no processo penal impõe ao sistema de justiça o dever de rigor técnico e epistêmico na análise de elementos probatórios. As controvérsias sobre a quebra da cadeia de custódia serão analisadas em artigos subsequentes, especialmente porque não se pode adiar a análise para a sentença.
Nesse cenário, os chamados prints ou capturas de tela de conversas via WhatsApp deixam de atender aos pressupostos, requisitos e condições da prova digital. Além da possibilidade concreta de adulteração, os prints carecem de elementos técnicos essenciais, como metadados, logs de sistema, hashes de verificação ou qualquer outro mecanismo de validação de integridade e origem. Sem esses elementos, não se pode afirmar com segurança que o conteúdo exibido corresponde a uma interação real, tampouco que permaneceu íntegro desde sua suposta origem.
A jurisprudência pátria já vem reconhecendo os limites desse tipo de prova. No HC 828.054/RN, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça anulou provas baseadas em capturas de tela de WhatsApp, ao constatar a ausência de cadeia de custódia e de critérios técnicos mínimos de confiabilidade. A decisão evidenciou que, sem a preservação adequada e análise pericial, as imagens não possuem valor probatório seguro, especialmente quando impugnadas pela defesa.
Equívoco comum é a tentativa de suprir tais falhas com a lavratura de ata notarial, metodologia que apenas atesta que determinado conteúdo foi visualizado pelo tabelião naquele momento, não sendo apta a comprovar a origem, a autenticidade técnica ou a ausência de manipulação anterior do material apresentado.
A Lei nº 13.964/2019, ao incluir os artigos 158-A a 158-F no Código de Processo Penal, estabeleceu parâmetros objetivos para a cadeia de custódia das provas, reforçando a exigência de documentação, integridade e rastreabilidade dos vestígios. A utilização de capturas de tela sem observância desses critérios viola frontalmente o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, previstos no artigo 5º, incisos LIV e LV, da Constituição da República.
Diante desse quadro, é imperioso que operadores do Direito — em especial a defesa técnica — questionem a admissibilidade de prints desacompanhados de cópia forense integral do dispositivo, laudo pericial e documentação da cadeia de custódia. A naturalização de imagens frágeis como provas válidas compromete a confiabilidade do processo penal, ampliando o risco de provas fabricadas. Mas existem diversas ferramentas disponíveis, dentre elas vamos mostrar uma.
Ávila Forense: tecnologia nacional a serviço da verdade processual
A ferramenta brasileira Ávila Forense (disponível no github aqui) tem se consolidado como uma solução tecnológica confiável, auditável e juridicamente robusta para a extração e análise de vestígios digitais, em conformidade com os padrões internacionais estabelecidos na ISO/IEC 27037, que disciplina as diretrizes para a identificação, coleta, aquisição e preservação de evidências digitais.
Por meio de técnicas de extração forense bit a bit, o sistema realiza a duplicação fiel do conteúdo de dispositivos digitais, incluindo arquivos apagados, áreas não alocadas e metadados essenciais à reconstrução cronológica dos fatos. Todos os procedimentos são documentados com geração automática de valores hash, logs de auditoria e relatórios técnicos estruturados, assegurando a integridade, a autenticidade e a rastreabilidade da prova digital — elementos indispensáveis à validação judicial e à preservação da cadeia de custódia, conforme exigido pelos artigos 158-A a 158-F do Código de Processo Penal.
Para o segundo semestre de 2025, a ferramenta acrescentará novas funcionalidades e democratização do acesso, com política de custos acessíveis voltada a operadores do direito, em especial investigadores, membros do Ministério Público, defensores públicos, advogados e peritos em computação forense, ampliando os recursos de conformidade digital. A iniciativa merece elogios porque é desenvolvida no Brasil, com impacto e uso em diversos lugares do mundo, em face de suas funcionalidades operacionais e conformidade técnico-normativa.
Conclusão
O processo penal contemporâneo exige uma reconfiguração urgente da cultura jurídica em torno das provas digitais. Não se trata apenas de acompanhar a evolução tecnológica, mas de assegurar que essa transição ocorra com respeito rigoroso às garantias constitucionais, aos parâmetros legais de admissibilidade e aos protocolos técnicos reconhecidos pela comunidade científica forense.
A aceitação acrítica de vestígios frágeis — como os “prints de WhatsApp” — compromete a confiabilidade do sistema de justiça e o próprio núcleo do processo penal democrático: o contraditório efetivo, a ampla defesa e a paridade de armas. A ausência de cadeia de custódia, a inexistência de metadados e a vulnerabilidade à manipulação são fatores que devem despertar, no julgador e nas partes, um alerta epistêmico e jurídico.
Nesse cenário, ferramentas operacionais, atualizadas e acessíveis contribuem para o devido escrutínio dos pressupostos de existência, requisitos de validade e condições de eficácia da prova digital. A replicabilidade metodológica, a geração de logs, hashes e relatórios detalhados não são meros detalhes técnicos, mas o alicerce que sustenta a admissibilidade da prova e legitima o exercício da jurisdição penal.
É imperativo que a comunidade jurídica — juízes, membros do Ministério Público, defensores advogados e peritos — incorpore definitivamente os parâmetros da cadeia de custódia (artigos 158-A a 158-F do CPP), do POP 2024 e das normas técnicas internacionais (como a ISO/IEC 27037) como referências obrigatórias na apreciação da prova digital. O processo penal não pode se contentar com aparências: exige autenticidade, rastreabilidade e integridade.
Do contrário, a aparência substitui a existência (digital), permitindo manipulações, especialmente de agentes oportunistas, com estragos na reputação e, também, favorecendo a ocorrência de condenações injustas, contrárias ao fundamento de existência do devido processo legal.
Mas se você não se convenceu, tente criar uma conversa fake. É fácil, perigoso e, em situações criminais, pode ser trágico. Cuidado ao acreditar nas aparências. Até porque você pode ser a próxima vítima, embora não acredite. Quem printa pode ser printado. Por isso o devido processo penal cuida de você, ainda que você não se preocupe muito com ele. Semana próxima falaremos da quebra da cadeia de custódia.
[1] Metadados: Os dados sobre os dados ausentes no print e presentes em uma extração forense (e.g., data de criação do arquivo original, data de modificação, informações do dispositivo, geolocalização se disponível na mensagem original etc.). O “print” é uma nova imagem, com seus próprios metadados, que nada dizem sobre a mensagem original.
Aury Lopes Jr.
É advogado, doutor em Direito Processual Penal, professor titular no Programa de Pós-Graduação, Mestrado e Doutorado, em Ciências Criminais da PUC-RS e autor de diversas obras publicadas pela Editora Saraiva Educação.
Alexandre Morais da Rosa
É juiz de Direito de 2º grau do TJ-SC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina) e doutor em Direito e professor da Univali (Universidade do Vale do Itajaí).
Dellano Sousa
É advogado criminalista, perito em computação forense e presidente da Comissão de Investigação Defensiva da Abracrim-CE.

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