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A HISTÓRIA ENSINA (E COMO ENSINA)

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23/04/2025

Jânio Quadros teve uma carreira política meteórica. Elegeu-se presidente da República em 1960 com quase 6 milhões de votos (48,26% do eleitorado daquele ano). Assumiu no início de 1961, mas governou por apenas sete meses, renunciando ao mandato em 25 de agosto. No dia 30 de setembro de 1961, a revista O Cruzeiro, ainda impactada pela repercussão da renúncia, publicou uma crônica do jornalista David Nasser (1917-1980), intelectual de formação conservadora, mas de grande talento na escrita (foi também autor de músicas notáveis, como “A Camisola do Dia”, “Nega do Cabelo Duro”, “Atiraste uma Pedra”, entre outras). 

A crônica, na íntegra, com meus agradecimentos aos que me ajudaram na digitação.  Em tempo: a foto que ilustra a crônica é de Henri Ballot: 

 

“6 milhões de loucos 

 

Por David Nasser, revista O Cruzeiro, 30 de setembro de 1961, pgs. 4 e 5 

 

Se me perguntassem quem é o menos responsável por uma crise política e militar que custou ao Brasil alguns bilhões de cruzeiros e que por um triz não nos levou a uma guerra civil – eu diria que é o senhor Jânio Quadros. Estou vendo a sua terceira visita ao consultório de um psiquiatra londrino (as outras duas ocorreram antes da eleição) – e o médico a lhe responder, depois de novo exame: 

 

– Doutor Jânio, o senhor é perfeito. Doidos são os seis milhões que votaram no senhor. 

 

Não é possível agora diminuir a nossa responsabilidade, a sua e a minha culpa, eleitores de Jânio. Ele tem sido coerente na sua linha de vida, de ação e de política. Nunca foram outros os seus processos, desde, quando vereador, levava a maleta de comício, onde, além de roupas velhas, seringas de injeção, transportava sanduíches de mortadela e um rato dentro de uma gaiola. O rato era o Ademar. Nada de mais, portanto, nada de mais injusto que o telegrama inventado, como vindo de bordo do “Uruguay Star” e assinado pelo jovem Alaor (o primeiro, talvez, a sentir que o motor cerebral do sogro estava batendo pino) – telegrama esse que correu o Brasil: “– Todos bem a bordo. Tutu, Totó e Tantã”. 

 

Jânio nunca foi outro. Seu pai o dizia: o velho Quadros, depois assassinado, sabia melhor do que ninguém as taras do filho. Afinal, ele era o pai daquela coisa, daquele monstro ou daquele gênio. Mas, ninguém o acreditava. Você acreditaria em São José, se ele, na hora da paixão verdadeira, viesse aos pés da cruz dizer aos romanos: “– Não o matem, ele é biruta!”? A deputada Conceição Santamaria transportava vinte e tantos volumes de provas, legítimas Memórias de um Louco – mas a linguagem era tão eivada de rancor, de paixão, de violência, que ninguém a acreditava. Outros episódios, que não podem ser contados, por impublicáveis, o de uma funcionária, em São Paulo, o de um anel, há pouco tempo – provavam exaustivamente a tese de que o homem não tinha apenas um parafuso fora do lugar. Simplesmente não tinha parafuso. 

 

Quando ele assistia a sessões de cinema no Palácio do Planalto, das 8 da noite às 4 da madrugada, repetindo bang-bangs, sozinho, na primeira fila, sem outro espectador, ele na frente, o pobre do operador lá no fundo – estava a desafiar um teste psicotécnico imediato. Ninguém se lembrara disso, na fase eleitoral. Quem iria se atrever depois? A imprensa estava ameaçada de esmagamento – e pedia a bênção aos cachorros. A televisão e o rádio dispunham de canais provisórios, que podiam ser cassados de uma hora para outra. Os políticos não dispunham de poder. A Câmara se desmoralizava através de atitudes lamentáveis, como a do autorrepouso remunerado. Ligeiras reações do Senado, como a do veto a José Ermírio, eram logo anuladas com a derrubada do projeto do horário do funcionalismo. Não tínhamos jornalistas, não tínhamos políticos, não tínhamos condições de luta – porque todo o povo estava anestesiado. Havia um fascínio coletivo. Se alguém da intimidade nos revelava que todas as manhãs, antes do café, ele batia no peito e dizia três vezes: 

 

– Ave, Lincoln! 

 

– Ave, Lincoln! 

 

– Ave, Lincoln! 

 

Ninguém, ninguém acreditava. Um funcionário revelou, certa vez, meio apavorado, que o encontrara de madrugada vagando pelos corredores do Palácio, metido num pijama, recitando não se sabe o quê, se Shakespeare ou Chico Anísio. Ria e chorava, nos melhores pedaços. 

 

Ora, amigos, se vocês surpreendessem alguém de sua família a tais horas, falando assim, sem ser artista – talvez não internassem, mas passariam a vigiá-lo. Ninguém fez isso na família brasileira. O homem continuou solto e, o que é pior, presidente. Todos achavam graça, era simpática e publicitária aquela sua mania de uniforme que trouxe de Hong Kong, ou não sei de onde, uma mistura de farda de inspetor de trânsito de Niterói com lanceiro da Índia. Ninguém teve a coragem de lhe dizer: – Seu Jânio, deixa de ser maluco. Tira essa joça e vista uma roupa decente, adequada ao seu posto. O que você está fazendo é uma palhaçada. 

 

Alguém disse isso? Você disse? O Brasil disse? Eu disse? Ninguém disse. Se este pobre escriba, operário da palavra, que não tem nesta casa um tijolo, se este jornalista que está mais para lá do que para cá, o lenço no nariz, o pé no estribo, se se atrevesse a apregoar ao Brasil e ao mundo que o presidente Jânio Quadros era de fato um matusquela – que sucederia? Ele fechava a revista. Para quem está no fim de carreira, no limiar de um ócio humilde, mas cavado, não aconteceria nada. E os trabalhadores, as milhares de famílias, as centenas de gráficos e intelectuais e artistas que dependiam em linha reta da doidice de Jânio? O remédio era calar, até que a sua esquizofrenia viesse a um período de crise. Portanto, numa triste demonstração de covardia profissional, só podíamos falar por metáforas. Falando claramente, não apenas o povo não acreditaria, como o homem podia vir a fechar isto aqui como se fosse a rinha de galos dos seus complexos. 

 

Durante todo esse tempo, entretanto, nenhuma vez o visitei, nenhuma vez lhe dirigi a palavra. De uma feita, contudo, ele procurou aferir o grau de resistência do jornalista. Telefonou-me seu secretário particular (todos os doidos têm secretários equilibrados, porque, além do mais, estes são enfermeiros da alma), dizendo que a audiência em Brasília estava marcada para a próxima segunda-feira. 

 

– Que audiência, José? 

 

– A que você pediu ao Jânio. 

 

– Não pedi audiência nenhuma. 

 

– Pois está marcada no livro. 

 

– Pode riscar. Houve erro. 

 

– Mas, velho (e José Aparecido, rapaz educado, insistia com boas maneiras), existe um telegrama assinado por você. 

 

– Não é pedindo audiência. Trata-se de um telegrama assinado também por Ari Barroso, Herivelto Martins, Marino Pinto, Magalhães Júnior e muitos outros, falando sobre direito autoral. 

 

– É, mas o presidente entendeu que vocês pediam audiência e marcou para segunda-feira. Acho melhor vocês virem. Você, principalmente. Do contrário, ele não saberá o ponto de vista dos compositores. 

 

– Muito bem, José. Irei. 

 

– Venha para o hotel. Jantaremos no domingo e na segunda-feira às 8 veremos o homem. 

 

Ora, amigos, no sábado, dois dias antes, Jânio publicou um dos seus bilhetinhos cancelando a audiência aos compositores. No mesmo dia, o afável José Aparecido ligava de Brasília para mim: 

 

– Houve confusão. Não cancelou, adiou. 

 

– Está bem. 

 

E enviei este telegrama (publicado na época pelo Diário Carioca), em termos graves, mas claros: 

 

“– Presidente Jânio Quadros, Palácio do Planalto, Brasília: Cancele a audiência que nunca lhe pedi. David Nasser”. 

 

Ele recebeu o telegrama no momento em que Ari Barroso estava a seu lado. Leu-o e comentou: 

 

– Moço corajoso. 

 

Se era elogio ou ameaça, nunca cheguei a saber. 

 

Porque ele saiu antes. O tumor veio a furo mais depressa do que esperávamos. 

 

De tudo isso se conclui que a loucura de Jânio é intermitente, periódica, cíclica. Aliás, todo o doido revela certa coerência, a partir da incoerência que é, biologicamente, a sua própria enfermidade. Se se imagina Napoleão, age como Napoleão o tempo todo, nasce em Ajaccio, morre em Santa Helena. O senhor Jânio Quadros sempre foi coerente em sua loucura: nunca se imaginou outra coisa senão Jânio Quadros mesmo. Age sempre como Jânio Quadros. Não tardará muito e os hospícios estarão cheios de falsos Jânios Quadros, enquanto o legítimo estará aqui fora, rindo de todos. Porque, se é verdade que Jânio Quadros parece politicamente morto, o janismo acaba de nascer, como o estandarte do comunismo disfarçado em neutralismo. 

 

Ele fez coisas certas em suas loucuras, tanto no setor econômico, na área administrativa, ou no terreno diplomático, ao aproveitar os intelectuais para o serviço ativo nos campos de sua especialidade: o da inteligência. Foi aparentemente honesto, mesmo sem revelar os fundos dessas viagens fabulosas, com Tutu, Totó e Tantã. Nem que ele trabalhasse dois mil anos com salários de vereador, prefeito, deputado, governador e presidente – custearia o turismo maravilhoso de nossa incredulidade. Donde talvez nos venha a dúvida de que ele deva ser submetido a exame de sanidade mental. Não. A esse teste devermos nos submeter todos nós seus eleitores – que ainda não descobrimos o meio de dar a volta ao mundo, como Jeff Thomas e Jânio Quadros, sem vintém. Doidos somos nós que ainda o poupamos, que breve escutaremos eu slogan – “Jânio tinha razão” – e o veremos, desfraldado em bandeira do Partido Comunista, vir agitar esta terra pacífica, este povo tranquilo. Ele nunca foi louco. Ele é, realmente, um bom psiquiatra de 6 milhões de brasileiros. 

 

David Nasser 

  

Nascido em 1° de janeiro de 1917, em Jaú, no Estado de São Paulo 

Morreu em 10 de dezembro de 1980 (com 63 anos) no Rio de Janeiro, RJ 

Nacionalidade brasileiro e era compositor e jornalista 

Era filho de imigrantes libaneses. Logo criança mudou-se para Caxambu em Minas Gerais, onde fazia carretos com charrete e sem saber, conheceu Francisco Alves. Um dia, mudou-se para o Rio de Janeiro e trabalhou como mascate e depois foi vendedor de loja. 

Na Cidade Maravilhosa encontrou muitas dificuldades e sofreu bastante. Reencontrou-se com Francisco Alves e daí em diante sua carreira decolou, pois caiu nas graças do já famoso cantor. 

Como teve meningite quando criança, dedicou-se a ler e escrever histórias. Começou a trabalhar aos 14 anos, em 1934 como contínuo das empresas Diários Associados de Assis Chateaubriand. O conglomerado jornalístico reunia no mesmo prédio a redação dos jornais Diário da Noite e O Jornal, e a revista O Cruzeiro. 

Aos poucos, tornou-se jornalista das empresas dos Diários Associados. Iniciou-se profissionalmente depois do golpe do Estado Novo de Getúlio Vargas em 1937. 

Nos Diários Associados, criou Memórias secretas de Giselle, a espiã nua que abalou Paris, estrelando a espiã fictícia Giselle Monfort tratada como real pelo jornal Diário do Norte; a personagem teve uma série bastante popular de livros de bolso pulp. 

Foi contratado, em 1936, pelo jornal O Globo dirigido por Roberto Marinho. Saiu em 1943 insatisfeito por não poder realizar ou assinar reportagens importantes. 

Em 1940, ele estoura com um sucesso incrível da música Nêga do Cabelo Duro (em parceria com Rubens Soares), e se torna compositor de vários sambas, e sambas canção. 

Foi trabalhar, em 1943, na revista O Cruzeiro que se tornava, então, a revista brasileira mais popular dos anos 1940 e 1950. As reportagens que fez em parceria com o fotógrafo Jean Manzon de 1943 a 1951 foram fundamentais para o sucesso de vendas da revista cuja tiragem atingiu níveis inesperados para a época. David Nasser e Jean Manzon tornaram-se então a mais famosa dupla de repórter-fotógrafo do Brasil. 

Ganhou notoriedade por realizar vários trabalhos conhecidos como "grande reportagem", forma de reportagem que misturava de pesquisa de campo, opinião do jornalista, pedaços de entrevistas e muitas fotografias de alta qualidade técnica. Ocorria assim uma valorização do repórter que conhecia as pessoas e os locas de onde vinha a notícia como a principal figura da redação, em detrimento dos editorialistas e articulistas. A "grande reportagem" tornou-se bastante popular no Brasil dos anos 40 quando foi usada pelos jornais para driblar a censura da ditadura de Getúlio Vargas. 

 

Foi calado pela ditadura militar no Brasil (1964-1985) com a prisão de seu sobrinho Paulo e sua esposa grávida (perdeu a criança durante as torturas) com o aviso "se os quer ver vivos de novo, cale-se". Mesmo assim teve amigos influentes nos seus diversos governos. 

 

Deixou O Cruzeiro em 1975, quando esta já estava em decadência. Dizia que sofria pressões para seguir pautas dadas pela direção da revista. Seu pedido de demissão foi notícia de repercussão nacional. Escreveu uma carta aberta intitulada "Por que deixei o velho barco" na qual atacava João Calmon, o diretor dos Diários Associados.[1] 

 

Em fevereiro de 1976 foi trabalhar na revista Manchete, que tinha o mesmo estilo da O Cruzeiro, seguindo um convite de Arnaldo Niskier. Lá continuou a escrever artigos atacando João Calmon, seu antigo chefe. Recorria aos amigos influentes no governo da Ditadura Militar pedindo para acelerar os processos judiciários civis que abriu contra seus antigos empregadores.[1] 

 

Em Pentagna, distrito do município de Valença (RJ), David Nasser possuía uma residência, que ainda existe, junto à colônia de férias dos servidores do estado do Rio de Janeiro, bem como uma outra junto à cachoeira, que ainda hoje pertence a seus familiares. 

 

Morreu doente de diabetes e câncer pancreático. Encontra-se sepultado no Cemitério de São João Batista, no Rio de Janeiro.[1] 

 

Residiu no bairro da Aldeia Campista no Rio de Janeiro e fez parceria com inúmeros compositores de música popular da região. Por ocasião do centenário de nascimento do jornalista e compositor, em 2017, o jornalista George Patiño idealizou um documentário em homenagem a David, ainda em fase de captação. 

 

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