Pelo menos 200 fazendeiros atacaram com armas de fogo a retomada enquanto os policiais acompanhavam a ação sem prestar socorro
No início da tarde deste domingo (21), pelo menos 200 fazendeiros, mobilizados pelo Movimento Invasão Zero e à maneira de uma reintegração de posse ilegal, atacaram com armas de fogo a retomada do povo Pataxó Hã-Hã-Hãe no território tradicional Caramuru-Catarina Paraguassu, município de Potiraguá, no Sudoeste da Bahia.
O ataque ocorreu sem que houvesse qualquer decisão judicial de reintegração de posse da fazenda Inhuma, retomada no sábado (20) pelos Pataxó Hã-Hã-Hãe. Policiais militares do estado da Bahia estavam presentes com os fazendeiros. Como resultado desta ação criminosa, Maria Fátima Muniz de Andrade Pataxó Hã-Hã-Hãe, conhecida como Nega, foi assassinada a tiros na retomada.
Os indígenas acusam os fazendeiros e a Polícia Militar da Bahia pelo assassinato, resultado de uma operação de reintegração ilegal convocada abertamente por uma milicia intitulada “invasão zero”.
“Os indígenas acusam os fazendeiros e a PM pelo assassinato, resultado de uma operação de reintegração ilegal convocada abertamente por uma milicia”
Segundo relatos dos indígenas, fotos e vídeos que circulam nos meios de comunicação dão conta de que Nega foi atingida por disparos de arma de fogo e tombou com seu maracá em mãos, cercada por fazendeiros. Os policiais que acompanhavam a ação violenta assistiam sem prestar socorro.
Ao lado da liderança espiritual estava o cacique Nailton Pataxó Hã-Hã-Hãe, também atingido pelos tiros, que sobreviveu e foi encaminhado ao hospital da região. Outros indígenas, três confirmados até o momento, foram atingidos por tiros. Além disso, conforme denúncia dos indígenas, uma Pataxó teve a clavícula quebrada por um policial militar, resultado de espancamento.
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) repudia os atos criminosos dos fazendeiros com indícios de serem amparados por mais uma ação irregular da Polícia Militar (PM) baiana contra os povos indígenas do Sul e Extremo Sul do estado.
“Nega foi atingida por disparos de arma de fogo e tombou com seu maracá em mãos, cercada por fazendeiros e os policiais sem prestar socorro”
Os indígenas acusam os fazendeiros e a Polícia Militar da Bahia pelo assassinato. Crédito: povo Pataxó Hã-Hã-Hãe
Os indígenas acusam os fazendeiros e a Polícia Militar da Bahia pelo assassinato. Crédito: povo Pataxó Hã-Hã-Hãe
Fazendeiros da região convocaram “para reintegração” centenas de pessoas, para se reunirem no final da manhã deste domingo (21) em uma ponte próxima à área retomada pelos Pataxó Hã-Hã-Hãe com o objetivo declarado no convite, que circulou no WhatsApp. Vídeos dos fazendeiros também circularam com as mesmas informações e intenções, asseguram os indígenas.
A Polícia Militar da Bahia deveria ir ao local para dissuadir e impedir tal ação ilegal, criminosa e com potencial trágico. Relatos dão conta do contrário, se dirigiram ao local e nada fizeram para impedir que a multidão convocada fosse de encontro à retomada dos Pataxó Hã-Hã-Hãe.
De acordo com a Secretaria de Segurança Pública da Bahia, dois indivíduos foram presos em flagrante suspeitos de serem os atiradores que mataram a pajé Nega e feriram o cacique Nailton e outros indígenas.
Os indígenas e organizações indigenistas tem questionado por quê só foram presos depois de, supostamente, terem atirado, quando a concentração do bando já tinha declarado o objetivo de fazer uma “reintegração” completamente ilegal. Quanto aos responsáveis pela convocação do Movimento Invasão Zero, por quê não foram detidos?
“Quanto aos responsáveis pela convocação do Movimento Invasão Zero, por quê não foram detidos?”
O Cimi entende que o governador Jerônimo Rodrigues (PT-BA), que em sua campanha declarou ascendência indígena, precisa tomar medidas urgentes sobre as ações da PM contra os Pataxó Hã-Hã-Hãe, investigando o procedimento policial que esteve na antessala do horror ocorrido neste 21 de janeiro de 2023 e garantindo que barbárie do tipo – que se tornou comum na Bahia entre o ano passado e este ano – não se repita.
A área retomada pelos Pataxó Hã-Hã-Hãe ficou de fora da demarcação da Terra Indígena (TI) Caramuru-Catarina Paraguassu. Para os indígenas, a área retomada faz parte do chamado Varadouro Vasconcelos, reivindicado pelo povo desde meados do século XX, mesmo depois que a demarcação da TI foi reduzida antes da promulgação da Constituição de 1988.
Há quase 50 anos o Cimi apoia o povo Pataxó Hã-Hã-Hãe e está em luto pela morte de Nega, grande guerreira de seu povo que oferece agora seu martírio precoce e revoltante.
O Cimi reitera ainda seu apoio ao povo Pataxó HãHãHãe, a toda família Muniz em especial os familiares de Maria de Fátima (Nega) e ao cacique Nailton e espera que as autoridades públicas não permitam que que tal crime fique impune.
Mais informações
Adi Spezia - assessoria de comunicação do Cimi
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Imagens: flickr do Cimi
Conselho Indigenista Missionário – Cimi
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