1. capa
  2. Negócios
  3. Economia
  4. Política
  5. Ambiental
  6. Cidades
  7. Opiniões
  8. Cultura
  9. Oportunidades
  10. vídeos

Escritos De Mulher: Liberdade De Expressão Em Risco

enviar por email

02/07/2021

*Por Kenarik Boujikian


Há uma música de Lenine que volta e meia me vem à mente nestes últimos tempos:


"O medo é uma linha que separa o mundo.

O medo é uma casa aonde ninguém vai.

O medo é como um laço, que se aperta em nós.

O medo é uma força que não me deixa andar."


Parece que ouço ele cantar ao mesmo tempo em que leio as notícias de que o procurador-geral da República, Augusto Aras, propôs ação penal e, concomitantemente, representou contra o professor Conrado Hübner Mendes na Comissão de Ética da universidade em que ele leciona, a Faculdade de Direito da Universidade São Paulo.


A representação, em síntese, faz referência às manifestações de Conrado expostas no artigo "Aras é a antessala de Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional", publicado no jornal Folha de S.Paulo, e outras publicações de suas redes sociais. Nessas oportunidades, Augusto Aras foi severamente criticado por sua atuação, face a resposta do governo à pandemia da Covid-19. Entretanto, não se consegue antever na crítica contra essa pessoa pública algo que extrapole qualquer fronteira legal. A contundência e a indignação são próprias ao confrontar o quadro que se apresenta, em que responsáveis pela barbárie não são responsabilizados. Portanto, no estreito campo da liberdade de expressão acadêmica e de opinião.


Este capítulo nada mais é do que o espelho do clima autoritário que grassa no Brasil, que coloca às claras um dos instrumentos usados para silenciar, qual seja, a criminalização da liberdade de expressão, que se dá das mais variadas formas, e muitas delas com uso do aparato próprio do sistema de justiça.


E, esclareço, a criminalização aqui compreendida em seu sentido amplo, equivalendo a mecanismos controladores, que podem ser exercidos de várias formas, não exclusivamente com inquéritos e processos criminais, mas também com procedimentos administrativos e de outras esferas do Direito, todos com um sentido real e ao mesmo tempo simbólico e com o mesmo objetivo: incutir o medo e paralisar os que pensam diferente, ao arrepio da Constituição Federal.


Vale relembrar que, entre os fundamentos do Estado democrático de Direito, encontramos o pluralismo político (artigo 1º, inciso V, CF), que pressupõe uma diversidade de visões de mundo, uma pluralidade de ideias, que devem ser garantidas pelo próprio Estado e na qual seja possível a crítica e o diálogo entre os divergentes.


Para tanto, a nova ordem acolheu o chamado sistema das liberdades como sustentáculo da própria democracia, particularmente no artigo 5º da Constituição Federal, além das normativas regional e internacional.


Nossa Carta acrescentou que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação não sofrerão nenhuma restrição, salvo a observada na própria Constituição Federal. Para as hipóteses abusivas, há previsão de medidas para a garantia da democracia, como o direito de resposta, a indenização por dano moral e material ou à imagem (artigo 5º, incisos V e X), além das previstas nas normas infraconstitucionais, como a tipificação de crimes.


Consagrou que "é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licen


ça" (artigo 5º, inciso IX), como a antever os focos das possíveis maiores violações e os seus principais alvos, que normalmente são os que expandem o conteúdo do pensamento, como a atividade de jornalistas, professores, acadêmicos, cientistas, artistas, comunicadores e lideranças de movimentos.


A realidade mostra que eles têm sido o público preferencialmente atingido pela criminalização da liberdade de expressão e que a crítica e o debate aberto e público, notadamente em relação aos poderes públicos, têm recebido como resposta tentativas de silenciar vozes, para retirar-lhes a virtude que acompanha e caracteriza os seres humanos: o de pensar o mundo, de comunicar-se com outros para construir um modelo de sociedade. Nessa medida, minam a própria democracia, enfraquecendo essa ferramenta-chave, que mantém uma relação essencial com o sistema democrático e indispensável para o exercício dos demais direitos fundamentais.


Por vezes o Poder Judiciário consegue sanar tais situações. Em outras, é o próprio órgão de violação. Mas o fato é que, de qualquer modo, se cria e se fomenta o medo, a intimidação, de modo que o resultado principal nem é o deslinde de eventual procedimento ou processo, mas o que irradia subjetivamente para a sociedade e para os cidadãos, que podem se autocensurar. Logo, os atos de intimidação ferem não apenas o indivíduo diretamente atingido, mas toda a sociedade.


Qualquer mecanismo que seja usado para impedir o exercício do direito à expressão retira dos cidadãos o controle sobre os assuntos públicos e, como consequência, ceifa a democracia.


É preciso, mais do que nunca, fortalecer o funcionamento do sistema democrático pluralista, mediante a proteção e o fomento da liberdade de expressão.


Como disse o professor Conrado Hübner Mendes, a quem rendo minha solidariedade: não há liberdade plena onde há medo.


*Kenarik Boujikian é desembargadora aposentada do TJ-SP, especialista em Direitos Humanos, membra da Associação de Juízes para a Democracia (AJD) e da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).


 


Saiba Quais São as Prioridades do Novo Ministro das Comunicações à Frente da Pasta

O ministro Frederico de Siqueira Filho destacou a modernização da radiodifusão, com a implantação da TV 3.0..


Falta de Médicos Lidera Lista de Desafios na Saúde, Segundo Estudo da Firjan

Os municípios considerados críticos têm, em média, apenas um médico para dois mil habitantes...


Fraude no INSS: Saiba Como vai Funcionar o Ressarcimento dos Aposentados e Pensionistas; veja Perguntas e Respostas

Foto do Lula e o ex-ministro Luiz Carlos Lupi..