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Os Mecanismos de Pré-insolvência nos PLs 1397/2020 e 4458/2020

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22/10/2020

*Ricardo Villas Bôas Cueva e Daniel Carnio Costa

A adoção de procedimentos simplificados, com algum hibridismo que lhes empreste flexibilidade, pode aumentar a eficiência de soluções negociadas, desde que haja rigor na verificação das condições e dos prazos.

 
O Brasil passa, atualmente, por um importante período de mudanças legislativas na área da insolvência empresarial. A crise de 2014/2015 já havia demonstrado a necessidade de aprimoramento das ferramentas da recuperação judicial e da falência de empresas, a fim de que o país pudesse enfrentar com mais sucesso crises econômicas agudas, preservando a atividade empresarial e a geração de benefícios econômicos e sociais dela decorrente, seja pela preservação da empresa, seja pela rápida e eficaz realocação de ativos de empresas inviáveis na economia.

Dentre os projetos de reforma da Lei de Recuperação Judicial, destacou-se, em meio à pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2 (covid-19), o PL 1.397, apresentado pelo deputado Hugo Leal, cujo substitutivo já foi aprovado na Câmara dos Deputados, encontrando-se ainda pendente de apreciação pelo Senado. Muito embora o referido projeto não tenha encontrado um ambiente político favorável no Senado, onde encontra-se sem movimentação, foi aprovado na Câmara dos Deputados e trouxe importantes ferramentas transitórias para enfrentamento da crise da pandemia. Referido PL trata de medidas emergenciais, de caráter transitório, para a insolvência empresarial, partindo da premissa de que é impossível dar uma resposta uniforme à miríade de casos concretos que emergirão da crise1, o que equivaleria dar tratamento igual aos desiguais e estimular condutas oportunistas. As novas soluções para a maciça crise de insolvência a ser enfrentada por um número expressivo de empresas espelham-se na experiência de vários países e seus modelos alternativos de solução das crises enfrentadas pelos empresários devedores, levando em consideração a necessidade de simplificar, abreviar e reduzir os custos da recuperação judicial e extrajudicial, hoje muito elevados para as pequenas e médias empresas.

Muito embora esse projeto emergencial não tenha evoluído - até o momento - no Senado da República, muitos de seus avanços foram incorporados ao PL 6229/05, que pretende reformar a lei 11.101/05 de forma permanente. Aprovado na Câmara, o projeto hoje se encontra no Senado aguardando votação, com urgência já aprovada, sob o número 4458/20. Ao contrário do que se percebeu com o projeto emergencial, o PL 4458/20 parece reunir um grande consenso em torno de sua pertinência e necessidade. Segundo recentes manifestações públicas de integrantes do Ministério da Economia e do Presidente do Senado, espera-se uma rápida tramitação do projeto no Senado, no sentido de sua breve aprovação.

É certo que diversos países relevantes nos cinco continentes identificaram a necessidade de edição de leis especiais e temporárias para enfrentar os efeitos da pandemia na crise das empresas. O Banco Mundial e a INSOL International publicaram, em 17.4.2020, um estudo denominado "Global Guide" com a descrição das respostas legislativas adotadas pelos países estudados a fim de dar suporte aos negócios em dificuldades por força do covid-192. Com base neste estudo, fica bastante claro que a imensa maioria das jurisdições analisadas já haviam adotado medidas legislativas emergenciais de flexibilização de sua legislação de insolvência e de enfrentamento da crise. Dentre as principais medidas de enfrentamento da crise estão a adoção de suspensão temporária de procedimentos ou atos executivos, a fim de garantir a existência de um espaço de negociação ou um breathing space entre a devedora e seus credores, bem como a implantação ou o aperfeiçoamento de procedimentos de pré-insolvência e de negociação (workouts), exatamente no mesmo sentido proposto pelo PL 1397/2020 no Brasil. Relativamente ao PL 4458/20, essas diretrizes do Banco Mundial e da INSOL acabaram influenciando a criação da Seção II-A, composta pelos artigos 20-A a 20-D, que introduz no sistema de brasileiro um mecanismo de pré-insolvência, destinado a evitar que empresas tenham de fazer uso da recuperação judicial.

O sistema de pré-insolvência criado pelo PL 4458/20 cria estímulos para que empresas devedoras busquem a renegociação coletiva de suas dívidas de forma predominantemente extrajudicial, com mínima intervenção judicial. A utilização da mediação e da conciliação preventivas necessita da criação de estímulos para que seja eficaz e adequada. Nesse sentido, é preciso proteger o devedor de execuções individuais, como condição para que se crie um espaço adequado para realização dos acordos com os credores. Os credores somente se sentarão à mesa para negociar se não puderem prosseguir nas suas execuções individuais. Por outro lado, a devedora somente terá condições de propor um acordo aos seus credores se tiver um espaço de respiro e uma proteção contra os ataques patrimoniais provenientes de ações individuais. Da mesma forma, um credor somente se sentirá seguro para negociar se houver uma proteção ao acordo entabulado, evitando-se que seja prejudicado pelo uso sucessivo de um processo de insolvência. De igual modo, deve-se cuidar para que os devedores não façam uso predatório dessa ferramenta, apenas com o intuito de prolongar a proteção do stay contra os credores.

Tendo em vista essas premissas, o projeto estimula a conciliação e a mediação nos CEJUSCs, criando-se alternativa extrajudicial de renegociação das dívidas. Por outro lado, oferece à devedora a essencial proteção do stay, típico da recuperação judicial, a fim de se criar um ambiente adequado à negociação coletiva. Considerando que a determinação de suspensão de ações deve ser judicial - só uma decisão judicial pode ter o condão de suspender o andamento de ações judiciais - o mecanismo oferece à devedora a oportunidade de requerer ao juízo competente a medida de stay com natureza cautelar, eventualmente preparatória de futura recuperação judicial. No entanto, a fim de se evitar a utilização do mecanismo apenas como uma forma de alongar a proteção típica de uma recuperação judicial, o projeto determina que o prazo de proteção antecipado à devedora durante as negociações no CEJUSC será descontado do prazo de stay típico.

Segundo dispõe o art. 20-B, "serão admitidas conciliações e mediações antecedentes ou incidentais aos processos de recuperação judicial, notadamente: I - nas fases pré-processual e processual de disputas entre os sócios e acionistas de sociedade em dificuldade ou em recuperação judicial, bem como nos litígios que envolverem credores não sujeitos à recuperação judicial, nos termos dos §§ 3º e 4º do art. 49 desta lei, ou de credores extraconcursais; II - em conflitos que envolverem  concessionárias ou permissionárias de serviços públicos em recuperação judicial e órgãos  reguladores ou entes públicos municipais, distritais, estaduais ou federais; III - na hipótese de haver créditos extraconcursais contra empresas em recuperação  judicial durante período de vigência de estado de calamidade pública, a fim de permitir a continuidade da prestação de serviços essenciais; IV - na hipótese de negociação de dívidas e respectivas formas de pagamento entre a empresa em dificuldade e seus credores, em caráter antecedente  ao ajuizamento de pedido de recuperação judicial.

A medida de criação do breathing space necessário à realização efetiva de uma negociação coletiva é prevista pelo § 1º, ao art. 20-B, o qual dispõe que "na hipótese prevista no inciso IV do caput deste artigo, será facultado às empresas em  dificuldade que preencham os requisitos legais para requerer recuperação judicial obter tutela de  urgência cautelar, nos termos do art. 305 e seguintes da lei 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), a fim de que sejam suspensas as execuções contra elas propostas pelo prazo de até 60 (sessenta) dias, para tentativa de composição com  seus credores, em procedimento de mediação ou conciliação já instaurado perante o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) do tribunal competente ou da câmara especializada, observados, no que couber, os arts. 16 e 17 da lei 13.140, de 26 de junho de 2015".

A fim de se evitar o uso predatório da medida de pré-insolvência, dispõe o § 3º, ao art. 20-B que "se houver pedido de recuperação judicial ou extrajudicial, observados os critérios desta lei, o período de suspensão previsto no § 1º deste artigo será deduzido do período de suspensão previsto no art. 6º desta lei."

Conforme dispõe o Art. 20-C, havendo sucesso na negociação coletiva conduzida perante o CEJUSC, "o acordo obtido por meio de conciliação ou de mediação com fundamento nesta seção deverá ser homologado pelo juiz competente".

O PL 4458/20 protege o acordo feito pelos credores nessa fase de pré-insolvência, eliminando o risco de que o credor venha a ser prejudicado duas vezes, com a sucessiva inclusão de um crédito renegociado em processo de recuperação judicial onde poderia sofrer nova alteração. Nesse sentido, o parágrafo único ao art. 22-C, estabelece que, "requerida a recuperação judicial ou extrajudicial em até 360 (trezentos e sessenta) dias contados do acordo firmado durante o período da conciliação ou de mediação pré-processual, o credor terá reconstituídos seus direitos e garantias nas condições originalmente contratadas, deduzidos os valores eventualmente pagos e ressalvados os atos validamente praticados no âmbito dos procedimentos previstos nesta seção."

Vale destacar ainda, como medida de estímulo à utilização dos meios consensuais de resolução dos conflitos, que o art. 20-D do PL 4458/20 dispõe que "as sessões de conciliação e de mediação de que trata esta seção poderão ser realizadas por meio virtual, desde que o Cejusc do tribunal competente ou a câmara especializada responsável disponham de meios para a sua realização."

Em sentido semelhante, o PL 1397/20 propõe no seu primeiro capítulo a criação de um sistema de prevenção da insolvência que é comporto por duas medidas: a suspensão legal (Seção I) e a negociação preventiva (Seção II).

A suspensão legal é apresentada como medida necessária para neutralizar o descompasso econômico/financeiro das empresas em razão da pandemia. As medidas de distanciamento social fazem com que as empresas percam faturamento, mas ao mesmo tempo suas obrigações continuam exigíveis e devem ser cumpridas. Conforme Lawrence Summers3, o relógio econômico, que mede o faturamento das empresas, praticamente parou, mas o relógio financeiro da empresa, que mede o cumprimento de suas obrigações, continua girando normalmente. Assim, a suspensão legal visa equilibrar o relógio econômico com o relógio financeiro destas empresas, a fim de se evitar o surgimento de uma grande onda de inadimplência. Trata-se de medida muito parecida com a "bandeira amarela" defendida pelo professor da Faculdade de Direito da Universidade de Pennsylvania, David Skeel. Conforme entrevista concedida pelo ilustre professor à Bloomberg4, "o que é necessário (...) é uma bandeira amarela, tipo aquela das corridas da Nascar quando ocorre um acidente. A bandeira não para os carros na pista, mas proíbe que um carro ultrapasse o outro - nesse caso, seriam todos os devedores e credores - de modo que ninguém tire vantagens outro durante essa pausa".
 
*Ricardo Villas Bôas Cueva é ministro do STJ, é mestre e doutor em Direito. Foi advogado, Procurador do Estado de São Paulo, Procurador da Fazenda Nacional e Conselheiro do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).

*Daniel Carnio Costa é juiz titular da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, é mestre e doutor em direito. Juiz auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça (2018/2020). Atualmente, juiz auxiliar da Presidência do STJ. Membro das comissões de juristas que elaboraram o PL 1397/2020 e o PL 4458/2020.

 

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